Qual é a cultura verdadeiramente brasileira?
Negra, portuguesa, indígena?
No dia 18 de Outubro de 1970, na
Igreja São Pedro dos Clérigos em Recife, iniciou-se oficialmente o
movimento, no qual se busca trazer a resposta a essa pergunta. O
idealizador foi e é o dramaturgo e romancista pernambucano Ariano Suassuna,
que naquela data lançou o concerto-pedagógico, com a Orquestra
Armorial, entitulado ”Três Séculos de Música Nordestina: do Barroco ao
Armorial”, no qual a pintura, escultura e xilogravura se uniam à música
para lançar as ideias do escritor.
Em meio à forte entrada dos valores
culturais americanos no nosso país nos anos 70, o movimento, diferente
do Tropicalismo, se focou integralmente na busca das origens da cultura
nacional, a fim de se criar uma arte sólida e verdadeiramente
brasileira, com ênfase no Nordeste.
A Arte Armorial se baseia na ideia de
que a cultura brasileira genuína é resultado dos intensivos processos
imigratórios, livres e forçados, que ocorreram no país desde a chegada
dos portugueses, e da cultura indígena anteriomente já presente. Com
isso, o movimento assume uma arte de formação técnica européia (erudita)
e com base na tradição nacional, englobando diversas expressões
artísticas como a música, o teatro, a poesia, a dança, a pintura,
xilogravura, escultura e até o cinema.
Ariano Suassuna
A Orquestra Armorial, com a qual
lançou-se o movimento, foi logo convertida em um grupo menor para melhor
se adequar à estética pretendida, e formou-se então o Quinteto Armorial, que foi um dos maiores expoentes do movimento, formada pelos (na época) jovens músicos: Antônio Madureira, Antônio Nóbrega, Egildo Vieira, [Jarbas Maciel], Edison Eulálio Cabral e Fernando Torres Barbosa. O
grupo obteve um excelente alcance da estética pretendida, é fácil
entender do que se trata o movimento ouvindo seus quatro álbuns
gravados: Do Romance ao Galope Nordestino (1974); Aralume (1976); Quinteto Armorial (1978); Sete Flechas (1980);
Quinteto Armorial
Nas Artes Plásticas, os principais percurssores da estética armorial foram os pernambucanos Gilvan Samico (xilogravura) e Francisco Brennand
(escultura). Tomando por base a arte tradicional e de traços tortos da
xilogravura e dos ferros marcadores de gado do Nordeste, puderam dessa
forma, dar cores e formas ao universo mítico do Sertão que Ariano
Suassuna idealizara.
Obra de G. Samico
Ateliê de F. Brennand no Recife
Também inspirado nos ferros marcadores
de gado, A. Suassuna desenvolveu um trabalho tipográfico ligado à sua
heráldica sertaneja: o Alfabeto Armorial.
No link abaixo, do Blog ”O Tipo da Fonte”, pode-se entender melhor o processo de concepção do alfabeto:
Quanto ao nome ”Armorial”, que é um
substantivo que dá nome ao livro que contém os antigos brasões e
bandeiras das famílias, foi usado como adjetivo por A. Suassuna, por
idealizar um sertão quase que medieval à maneira brasileira, comparando
os cangaceiros aos cavaleiros, os donos de fazenda aos rei e condes e
suas filhas a princesas; sendo assim, os símbolos dos armorias trariam a
principal inspiração para a estética e aspiração ao mundo sertanejo que
A. Suassuna sonhara.
Este mundo pode ser vivenciado em seus
autos e peças de teatro, porém a sua maior obra em termos armorias é o
seu primeiro romance escrito em 1971, e que se tornou imprescindível a
quem quer conhecer o movimento; chama-se ”O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, sendo o primeiro da trilogia ainda inacabada “A Maravilhosa Desventura de Quaderna, o Decifrador, e a Demanda Novelosa do Reino do Sertao”, da qual A. Suassuna escreveu a primeira parte do Segundo livro ”A História d’o Rei Degolado nas Caatingas do Sertão; Parte I – Ao Sol da Onça Caetana”.
Baseada no primeiro livro, de grande sucesso, foi feita uma minissérie
pela rede Globo em junho de 2007, que tem excelente produção e expressa
muito bem a estética do movimento.
Em 2000 foi lançado o filme baseado no livro ”Auto da Compadecida”, o qual fez enorme sucesso e ganhou muitos prêmios, sendo o principal expoente da estética armorial ligada ao Cinema.
Atualmente A. Suassuna executa seus concerto-pedagógicos junto a um grupo de dançarinos e músicos entitulado ”Circo da Onça-Malhada”, apresentando-se em diversas cidades do país, divulgando as ideias e estética do movimento.
O Movimento Armorial, em sua escência,
não é ligado a dogmas e não supõe regras: Foi, e ainda é, uma tentativa
de mostrar ao nosso país a sua própria cara. Nasceu na fase do ínico da
crítica supressão da nossa cultura tradicional e popular, e é um alerta
de que nossa cultura está sendo substituída por padrões exteriores, tão
pouco ligados às nossas verdadeiras tradições. Ariano Suassuna é, porque
não, um profeta: o seu mundo fantástico é um portal para o que há de
mais real na nossa cultura.
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