Mesmo quando não estão travando lutas políticas, os artistas tendem a preocupar os donos do poder e são vistos como ameaças à ordem vigente.
Obra do artista plástico Igor Morski |
Defrontamo-nos hoje com uma incrível diversidade que se manifesta nas funções e nos meios das artes. As palavras, os sons, as imagens, a ficção literária, as comédias, os dramas, os poemas líricos e os filmes de cinema nos interpelam, nos convocam para múltiplos encontros.
Percebemos a variedades de linguagens
que se expressam desde artigos de jornais e ensaios até o vastíssimo
continente da música. Acrescente-se a esta lista interminável o texto
das obras teatrais, das reportagens e das crônicas, sem a menor
pretensão de esgotar o tema.
Todas estas
atividades podem ser homenageadas com a designação de “artes”. No plano
da vida cotidiana a arte é tudo o que é feito com esmero e chega a ser
considerado “bem feito”. No entanto, são óbvias as diferenças existentes
entre o caráter dessas produções da mão e do espírito. As peças
artesanais, as tragédias de Shakeaspere, os jarros de cerâmica e os
desenhos a lápis ocupam espaços bastante diversos na classificação de
seus poderes “artísticos”. Um filme de Eisenstein, um romance de Balzac,
uma moqueca de camarão pertencem a um todo que os torna parentes no
espaço da expressão espiritual do ser humano. E isso independentemente
das notórias diferenças que existem entre as obras de arte.
O
leitor hesita, teme que o reconhecimento dessa diferença interna
engendre desigualdades e fortaleça preconceitos. Mas não podemos deixar
de indagar:
Mestre Vitalino, com suas figurinhas de barro, é um escultor tal qual Michelangelo?
A
expressão mais vigorosa da arte é considerada aquela que proporciona ao
sujeito humano um conhecimento especial de si mesmo. Ele aproveita a
percepção sensível e mobiliza todos os seus recursos, reflexivos ou não,
para se servir de todos os meios potencialmente úteis para o
entendimento da realidade.
O sujeito na arte –
digamos, na grande arte, para evitar dúvidas – só se interessa
profundamente pela sua realidade específica. E como essa realidade é
inesgotável, ele não pode desperdiçar a dimensão de descoberta, nem a
dimensão de invenção. O que ele cria é algo que não existia antes. Mas
não há dúvida de que passou a existir.
A
complexidade do conhecimento, que abrange a integração constituída pela
apreensão da realidade infinita, nos adverte contra os avanços
exageradamente comemorados quando se festeja a aplicação da capacidade
humana de conhecer simultaneamente a parte e o todo. O conhecimento
avança se movendo em todas as trilhas que ele encontra ou inventa. A
arte não se deixa reduzir à dimensão da sua pertinência no recurso à
coleta de informações, por preciosas que sejam essas informações.
A
arte, então, é ela própria uma fonte inesgotável de conhecimentos. Por
isso, mesmo quando não estão travando lutas políticas, os artistas
tendem a preocupar os donos do poder e são vistos com ameaças à ordem
vigente.
Fonte: Leandro Konder - Jornal Brasil de Fato
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