quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Os sete saberes necessários à educação do futuro.


Edgar Morin - Antropólogo, Sociólogo e Filósofo

Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum
programa educativo escolar ou universitário, e aliás não está concentrado no
primário, nem no secundário, nem no ensino universitário, mas  aborda
problemas específicos para cada um desses níveis que precisam ser
apresentados, porque dizem respeito aos setes buracos negros da educação
completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas
educativos,  que, na minha opinião, devem ser colocados no centro das
preocupações da formação dos jovens que, evidentemente, se tornarão
cidadãos.

O primeiro


O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Por quê?
Porque, naturalmente, o ensino dá conhecimento, fornece conhecimento,
saberes. Porém, nunca se ensina o que é o conhecimento, apesar de ser
muito importante saber o que é o conhecimento, tendo em vista que nós
sabemos que o problema chave do conhecimento é o erro e a ilusão.
Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria
delas contém erros e ilusões, mesmo quando pensamos há vinte anos atrás e
constatamos como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por
que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou
espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de
uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção em que os olhos
recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados,
transportados a um outro código, e esse código binário transita pelo nervo
ótico, atravessa várias partes do cérebro e isto é transformado em percepção,
logo a percepção é uma reconstrução. Tomemos o exemplo da percepção
constante que é a imagem do ponto de vista da retina: as pessoas que estão
perto, parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois,
a distância, o cérebro não registra e reconstitui uma dimensão idêntica para
todas as pessoas, assim como os raios ultravioletas e infravermelhos que nós
não vemos, mas sabemos que eles estão aí e nos impõem uma visão segundo
as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções,
traduções da realidade, e toda tradução comporta  o risco de erro, como dizem
os italianos “tradotore/traditore”.
Assim como sabemos também que não há nenhuma diferença
intrínseca entre uma percepção e uma alucinação. Por exemplo: se tenho uma
alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César, não há nada que me diga que
estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão mortos. Mas são os
outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não, quero dizer com isso
que estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processo de leitura,
por exemplo, isto acontece. Nós sabemos que não seguimos a linha do que
está escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam de uma palavra para outra,
ou um grupo de palavras e reconstrui o conjunto de uma maneira quase
alucinatória, ou seja, neste momento é o nosso espírito que colabora com o
que nós lemos. E não reconhecemos os erros porque deslizamos neles, é o
mesmo que acontece, por exemplo, quando há um acidente de carro, as
versões e as visões do acidente são completamente diferentes,
principalmente, pela emoção e o fato das pessoas estarem em ângulos
diferentes.
No plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras,
histéricos. Tomemos um exemplo um pouco distante de nós; os debates sobre
a Primeira Guerra Mundial,  uma época em que a França e a Alemanha tinham
partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente,
eram contrários a guerra que se anunciava, mas, do momento em que se
desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente,  a uma
campanha de propaganda cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis,
isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos
trágicos do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação, cada um
do seu lado prefere camuflar a parte que lhes é desvantajosa para colocar em
relevo a parte criminosa do outro.
Este problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito
evidente, porque as traduções e as reconstruções são também um risco de
erro e muitas vezes o maior erro é de pensar que a idéia é a realidade, tomar a
idéia como algo real é confundir o mapa com o terreno.
Outras causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de
origem. Cada um pensa que suas idéias são as mais evidentes e esse
pensamento leva à idéias normativas e as  que não estão dentro desta norma,
que não são consideradas normais, são julgadas como um desvio patológico e
são rejeitadas como ridículas, não somente no domínio das grandes religiões
ou das ideologias políticas, mas também das ciências, quando Watson e Crick
decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido
deoxyribonucleico), que surpreendeu e escandalizou a maioria dos biólogos
que não pensavam que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi
preciso muito tempo para que essas idéias pudessem ser impostas e aceitas.
Na realidade as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões, é
algo que nos envolvem e nos dão ordens e nos dominam a ponto de nos levar
a matar ou morrer. Lenin dizia: “Os fatos são teimosos, mas na realidade as
idéias são ainda mais teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante
muito tempo”. Portanto, o problema do conhecimento não deve ser um
problema restrito aos filósofos, é um problema de todos e que cada um deve
levá-lo em conta muito cedo e explorar as possibilidades de erro para ter
condições de ver a realidade, porque não existe receita milagrosa.

O segundo.


O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um
conhecimento pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu
objeto. Por que? Porque nós seguimos em primeiro lugar, um mundo formado
pelo ensino disciplinar e é evidente que as disciplinas de toda ordem que
ajudaram o avanço do conhecimento são insubstituíveis, o que existe entre as
disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis, isto não
significa que seja  necessário conhecer somente uma parte da realidade, é
preciso ter uma visão que possa situar o conjunto. É necessário dizer que não
é a quantidade de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem
dar sozinhas um conhecimento pertinente, é mais a capacidade de colocar o
conhecimento no contexto.
A economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais
sofisticada, tem um poder muito fraco e erra muitas vezes nas suas previsões,
porque está ensinando de um modo que privilegia o cálculo e esquece todos
os outros fatores, os aspectos humanos; sentimento, paixão, desejo, temor,
medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações despencam,
aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, que, freqüentemente,
faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, e por sua vez se
liga à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é
multidimensional, o econômico é uma dimensão dessa sociedade, por isso, é
necessário contextualizar todos os dados.
Se não houver os conhecimentos históricos e geográficos para
contextualizar, cada vez que aparece um acontecimento novo que nos faz
descobrir uma região desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou Serra Leoa,
não entendemos nada. Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e
dividido, impede a capacidade natural que o espírito tem de contextualizar,  é
essa capacidade que deve ser estimulada e deve ser desenvolvida pelo ensino
de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII, e
que ainda é válido: “Não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo,
nem conhecer o todo sem conhecer as partes”.
O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto e,
atualmente, o conhecimento deve se referir ao global. O global sendo, bem
entendido, a situação de nosso planeta, onde, evidentemente, os acidentes
locais têm repercussão sobre o conjunto e as ações do conjunto sobre os
acidentes locais, o que foi comprovado depois da guerra do Iraque, da guerra
da Iugoslávia  e atualmente com o conflito do Oriente Médio.

O terceiro


O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa
identidade seja completamente ignorada pelos programas de instrução.
Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em Biologia, alguns
aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável.
Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas
estamos em uma sociedade e a sociedade está em nós, pois  desde o nosso
nascimento a cultura se imprime em nós. Nós somos de uma espécie, mas ao
mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos recusamos a nos
relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo nós acabamos com a
espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como
a trindade divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A
realidade humana é trinitária.
Eu creio que se pode fazer convergir todas as ciências sobre a
identidade humana. Um certo número de agrupamento  disciplinar vai
favorecer esta convergência. É necessário reconhecer que na segunda
metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as
disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências
da terra, a ecologia e a pré-história. Tome-se a cosmologia que, efetivamente,
utiliza a microfísica, os aceleradores de partículas para imaginar os primeiros
segundos do universo, utiliza a observação e  pratica uma reflexão filosófica
sobre o mundo como Hubert Reeves, como Hawkins, como Michel Cassé e
tantos outros. Eles refletem sobre o universo incrível no qual vivemos. Mas o
que é importante para a identidade humana, é saber que estamos neste
minúsculo planeta perdidos no cosmos. Nossa missão não é mais a de
conquistar o mundo como acreditava Descartes, Bacon e Marx. Nossa missão
se transformou em civilizar o pequeno planeta em que vivemos.
Por outro lado, as ciências da terra nos inscrevem neste planeta que
é formado por fragmentos, fragmentos cósmicos de uma explosão de sóis
anteriores e resta saber como estes fragmentos reunidos, aglomerados
puderam criar uma tal organização, uma auto-organização para nos dar este
planeta. É necessário mostrar que ele  gerou a vida, e a nós somos; filhos da
vida. A biologia, a teoria da evolução, nos prova como nós trazemos dentro de
nós efetivamente o processo de desenvolvimento da primeira célula vivente
que se multiplicou e se diversificou. Quando sonhamos sobre nossa
identidade, devemos pensar que  temos  partículas que nasceram no despertar
do universo,  temos  os átomos de carbono que se formaram em sóis
anteriores ao nosso, pelo encontro de três núcleos de hélio que se
constituíram em moléculas e neuromoléculas na terra. Somos  filhos do
cosmo, mas  nos transformamos em estranhos pelo nosso conhecimento e
pela cultura.
Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque
somos indivíduos, mas como indivíduos somos cada um, um fragmento da
sociedade e da espécie homo sapiens  a qual pertencemos, e o importante é
que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres
desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe, a sociedade só vive
dessas interações.
È importante, também mostrar que, ao mesmo tempo que o ser
humano é múltiplo, existe a sua estrutura mental que faz parte da
complexidade humana, isto é, ou vemos a unidade do gênero e esquecemos a
diversidade das culturas, dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas
e não vemos a unidade do ser humano. Esse problema vem causando
polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse: “Os chineses são
iguais a nós, têm paixões, choram”. E Herbart, o pensador alemão, afirmou:
“Entre uma cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes”. Os
dois tinham razão, mas na realidade essas duas verdades têm que ser
articuladas, nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e, é claro,
os elementos culturais da nossa diversidade.
È preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao
longo da educação, são inatos e modulados de acordo com a educação.
Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem surda, muda de nascença
que ria, chorava e sorria. Atualmente, estudos demonstram que o feto começa
a sorrir no ventre da mãe, talvez, porque não saiba o que o espera depois...
Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa diversidade
e singularidade. Chegamos, então, ao ensino da literatura e da poesia, elas
não devem ser consideradas como secundárias e não essenciais. A literatura é
para os adolescentes uma escola de vida e meio para se adquirir
conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias e não indivíduos sujeitos
a emoções, paixões e desejos. A literatura, ao contrário, como nos grandes
romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o histórico e o concreto
das relações humanas com uma força extraordinária.
Podemos dizer que as telenovelas também nos falam sobre
problemas fundamentais do homem; o amor, a morte, a doença, o ciúme, a
ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos esses elementos são
necessários para entender que a vida não é aprendida somente nas ciências
formais e a literatura tem a vantagem de refletir a complexidade do ser
humano e a quantidade incrível de seus sonhos. Como James Joyce, por
exemplo, que ao criar um personagem, mostrava que uma pessoa pode ter
sentimentos totalmente diversos. Ou como o herói de Dostoïewsky, em O
Idiota que não sabe se a jovem está apaixonada por ele e no fim da trama,
depois de ter sofrido muito,  encontra um amigo que lhe diz: “mas que imbecil
você é, não entendeu que ela o ama”. Isto pode acontecer  com qualquer
pessoa, a dificuldade de saber o que o outro pensa e sente.
Marcel Proust mostrou em Um amor de Swan , o que ele chamava
de intermitências do coração, que uma pessoa pode se apaixonar, esquecer-
se da pessoa desejada e voltar a amá-la. Neste romance o herói sofre durante
anos de ciúmes por causa de uma mulher e quando ele não está mais
apaixonado, ele  diz: “mas eu sofri tanto por uma mulher que não me amava e
que nem era meu tipo”. Então, podemos compreender a complexidade
humana através da literatura, enquanto que  a poesia nos ensina a qualidade
poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de fatos da realidade.
Como, por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília que é tão
bonito. É essa poesia que nos dá força e nos ensina a qualidade poética da
vida, porque ela não é somente uma prosa que se deve fazer por obrigação. A
vida é viver poeticamente na paixão, no entusiasmo.
 Para que isso aconteça devemos fazer convergir todas as
disciplinas conhecidas para identidade e para a condição humana, ressaltando
a noção de homo sapiens ; o homem racional e fazedor de ferramentas, que é,
ao mesmo tempo, louco e está entre o delírio e o equilíbrio no mundo da
paixão em que o amor é o cúmulo da loucura e da sabedoria. O homem não se
define somente pelo trabalho, mas pelo jogo. Não só as crianças gostam de
jogar, os adultos também gostam e por isso vemos partidas de futebol. Nós
somos homo ludens pois não existe apenas o homo economicus que só vive
em função do interesse econômico. Há, também o homo mitologicus, isto é,
vivemos em função de mitos e crenças. Enfim, há o homem prosaico e poético,
como dizia Hölderling: “O homem habita poeticamente na terra, mas também
prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da
poesia”.

O quarto.


O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina
sobre compreender uns aos outros, como compreender nossos vizinhos,
nossos parentes, nossos pais. O que significa compreender? A palavra
compreender vem de compreendere em latim, que quer dizer: colocar junto
todos os elementos de explicação, quer dizer, não ter somente um elemento
de explicação, mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso,
porque na realidade ela comporta uma parte de empatia e identificação, o que
faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisando
as lágrimas no microscópios, mas porque sabe-se do significado da dor, da
emoção, por isso é preciso compreender a compaixão que quer dizer sofrer
junto,  é isto que permite a verdadeira comunicação humana.
No entanto, há os verdadeiros inimigos da compreensão, porque
não existe a preocupação de ensiná-la. Na realidade, isto está se agravando,
cada vez o individualismo aparece mais, estamos vivendo numa sociedade
individualista, que favorece o sentido de responsabilidade individual, que
desenvolve o egocentrismo, o egoísmo que, consequentemente, alimenta a
auto-justificação e a rejeição ao próximo.
A raiva leva a vontade de eliminar o outro e tudo que pode
aborrecer, e de certa maneira isto favorece ao que os ingleses chamam de
self-deception, isto é, mentir a si mesmo, pois o egocentrismo vai tramando
sempre o negativo e esquecendo dos outros elementos. A redução do outro é
o que impede a compreensão, a visão unilateral, a falta de inteligência da
complexidade humana. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença que
nos bloqueia a compreensão. E, por este lado, é interessante abordar o
cinema, que os intelectuais acusam de alienante, mas que é uma arte que
ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis, os invisíveis sociais,
ensinando a vê-los por um outro prisma, como por exemplo, Charlie Chaplin
que sensibilizou platéias inteiras com o seu personagem do vagabundo, ou
Coppola, quando popularizou os chefes da Máfia com “O Chefão”, ou a
complexidade dos personagens de Shakspeare: reis, gangsters, assassinos e
ditadores. No cinema como na filosofia de Heráclito: “Despertados, eles
dormem”. Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da
realidade tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor.
Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os
outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar,  de analisar a
auto-justificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela
incompreensão que é o câncer do relacionamento entre os seres humanos.

O quinto.


O quinto aspecto é a incerteza, apesar de ensinar-se só as
certezas: a gravitação de Newton, o eletromagnetismo. Atualmente, a ciência
abandonou determinados elementos mecânicos para assimilar o jogo entre
certeza e incerteza da micro-física às ciências humanas. É necessário mostrar
em todos os domínios sobretudo na história o surgimento do inesperado.
Eurípides dizia no fim de três de suas tragédias que: “os deuses nos causam
grandes surpresas, não é o esperado que chega e sim o inesperado que nos
acontece”. Ou mesmo a velha idéia de 2.500 anos, nós esquecemos sempre.
As ciências mantêm diálogos entre dados sobre os quais se podem
basear para dados hipotéticos, outros dados que parecem mais prováveis e os
incertos. Os processos físicos ou não pressupõem variações  que nos levam a
desordem caótica ou para a criação de uma nova organização, como nas
teorias sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões
de Born. Ou, analisando retroativamente a história da vida, constata-se que ela
não foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução
segundo Darwin foi uma evolução composta de ramificações a exemplo do
mundo vegetal e o mundo animal.
O homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar a
consciência e a inteligência, mas não somos a meta da evolução, fazemos
parte desse processo, o que quer dizer que a história da vida foi marcada por
catástrofes. No fim da era secundária com a queda do asteróide que provocou
um desastre, matou os dinossauros e ressecou a vegetação desses animais
enormes, matando-os de fome e, por conseqüência dando oportunidade à
proliferação dos mamíferos. Assim também nas sociedades humanas,
nenhuma sociedade antiga sobreviveu, nem mesmo o império romano que
parecia eterno. Todas sofreram o colapso por uma razão ou outra. As
sociedades andinas que eram mais potentes que seus colonizadores
espanhóis e cujas capitais eram muita mais ricas que Paris, Madri ou Lisboa
foram destruídas por espanhóis que chegaram com cavalos e armas
desconhecidas.
As duas guerras mundiais destruíram muito na metade do século
XX, depois da Primeira Guerra Mundial, os três grandes impérios: romano-
otomano, austro-húngaro e soviético desapareceram.
Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de
ecologia da ação: a atitude que se toma quando uma ação é desencadeada e
escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou, desencadeando
influências múltiplas que podem desviá-las até o sentido oposto ao
intencionado. A história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O
mais evidente no final do século XX foi o projeto político de Gorbatchev que
pretendeu reformar o sistema político da União Soviética, mas provocou o
começo de sua própria desagregação e implosão. Assim tem acontecido em
todas as etapas da história, o inesperado aconteceu e acontecerá, porque não
temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões não foram
concretizadas, não existe determinismo do progresso. Portanto, os espíritos
têm que ser fortes e armados para afrontarem essa incerteza e não se
desencorajarem. Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura
humana não é previsível, mas o imprevisto não é totalmente desconhecido.
Somente agora, se admite que não se conhece o destino da aventura humana.
É necessário tomar consciência de que as futuras decisões devem ser
tomadas contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam
ser corrigidas no processo da ação, a partir dos imprevistos e das informações
que se tem.

O sexto.


O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da
globalização no século XX, que começou, na verdade no século XVI com a
colonização da América e a interligação de toda a humanidade, esse
fenômeno que estamos vivendo hoje em que tudo está conectado, é um outro
aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus
problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não
conseguimos processar e organizar.
Este ponto é importante porque estamos num momento em que
existe um destino comum para todos os seres humanos, pois o crescimento da
ameaça letal como a ameaça nuclear se expande em vez de diminuir, a
ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma
tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não conduziu
a nenhuma decisão efetiva, por isso, devemos construir uma consciência
planetária.
Conhecer o nosso planeta é difícil: os processos de todas as
ordens, econômicos, ideológicos, sociais estão de tal maneira  imbricados e
são tão complexos que é um verdadeiro desafio para o conhecimento. Já é
difícil saber o que acontece no plano imediato. Ortega y Gasset dizia: “Não
sabemos o que acontece, isto é o que acontece”, é necessário uma certa
distância em relação ao imediato para poder compreende-lo  e atualmente em
que tudo é acelerado e tudo é complexo, é quase impossível. Mas, é preciso
mostrar, é esta a dificuldade; é necessário ensinar que não é suficiente reduzir
a um só a complexidade dos problemas importantes do planeta como a
demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba atômica ou a ecologia.
Os problemas estão todos amarrados uns aos outros. Sobretudo, há, daqui em
diante, os problemas de vida e morte para a humanidade, como a arma
nuclear, como a ameaça ecológica, como o desencadeamento dos
nacionalismos acentuados pelas religiões. É preciso mostrar que a
humanidade vive agora uma comunidade de destino comum.

O sétimo.

 
O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os
problemas da moral e da ética diferem entre culturas e na natureza humana.
Existe um aspecto individual, social e genérico, diria de espécie, uma espécie
de trindade em que as terminações são ligadas: a antropo-ética, a ética que
corresponde ao ser humano desenvolver e ao mesmo tempo, uma autonomia
pessoal - as nossas responsabilidades pessoais - e desenvolver uma
participação social - as responsabilidades sociais -  e a nossa participação no
gênero humano, pois compartilhamos um destino comum.
A antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for
na democracia, porque na democracia o cidadão deve se sentir solidário e
responsável e permite uma relação indivíduo-sociedade. A democracia em
princípio deve controlar, o controlado passa a controlar quem controlava e
deve tomar para si responsabilidades por meio de eleições o que permite aos
cidadãos exercerem suas responsabilidades. Evidentemente, não existe
democracia absoluta, ela é sempre incompleta, mas sabemos que vivemos em
uma época de regressão democrática porque existe, cada vez mais, o poder
tecnológico que agrava os problemas econômicos, mas na verdade, é
importante orientar e guiar essa tomada de consciência social que leva à
cidadania para que o indivíduo exerça sua responsabilidade.
Por outro lado, está se desenvolvendo a ética do ser humano com
as associações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o
Green Pace, a Aliança pelo Mundo Solidário e tantas outras que trabalham
acima de denominações religiosas, políticas ou de Estados nacionais
assistindo aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas ou em
graves conflitos. Devemos conscientizar todos dessas causas tão importantes,
pois estamos falando do destino da humanidade.
Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne
uma verdadeira pátria? Estes são os sete saberes  necessários ensinar, não
digo isso para modificar programas. Na minha opinião não temos que destruir
disciplinas, mas temos que integrá-las, reuni-las uma as outras em uma
ciência como as ciências estão reunidas, como, por exemplo, as ciências da
terra, a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia, todas elas, articuladas em
uma concepção sistêmica da terra. Penso que tudo deve estar integrado, para
permitir uma mudança de pensamento que concebe tudo de uma maneira
fragmentada e dividida e  impede de ver a realidade. Essa visão fragmentada
faz com que os problemas permaneçam invisíveis para muitos, principalmente
para muitos governantes.

E, hoje, que o planeta já está ao mesmo tempo unido e fragmentado
começa a se desenvolver uma ética do gênero humano para que possamos
superar esse estado de caos e iniciar, talvez, a civilizar a terra.

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